Muitos sonham em tirar um ano sabático para refletirem, desacelerarem, aprenderem e voltarem revigorados e fortes, para continuar ou dar uma grande virada na vida. O comum é passar esse período, que não precisa ser necessariamente de um ano, em outro país ou cidade, mas isso não é algo obrigatório. O importante é mesmo dar um tempo.
O termo sabático tem origem na palavra hebraica shabat que significa repousar. Na antiguidade, de sete em sete anos, celebrava-se o ano sabático, um período de repouso para as pessoas e para a terra, durante o qual não se podia semear nem colher. No ano sabático ocorria o perdão das dívidas. A intenção era que as pessoas não ficassem pobres. Além disso, também significava a libertação de quem trabalhasse como escravo para pagar seus débitos.
“Um ano sabático é o plano de muitas pessoas que almejam ter um período para o autoconhecimento, um momento para o desafio de lidar com o novo, desfrutar e desconstruir modelos mentais que muitas vezes só pesam, porém não agregam”, afirma a psicóloga clínica Sirlene Ferreira. “A pessoa sente a necessidade de se permitir um momento de introspecção, de elaborar algo, ter contato com novas culturas, com pessoas e lugares desconhecidos”, completa.
Para a psicóloga, as pessoas voltam, sim, modificadas e empolgadas com a experiência, e que vale a pena passar por ela: “Pode ser um excelente momento para simplesmente recarregar as energias, ou até mesmo pensar em novos projetos. Porém, o ano sabático requer elaboração, planejamento, disposição e baixa expectativa”, conclui.
E, a cada dia, mais pessoas que estão chegando aos 50 resolvem dar este repouso, seja na vida profissional ou pessoal. Confira alguns depoimentos:
Causa animal


Silvana Andrade, 55 anos, mora em São Paulo, fundadora e presidente da Anda (Agência de Notícias de Direitos Animais), divorciada, sem filhos, São Paulo: “O período que tirei não foi programado, ele ocorreu por conta da morte da minha cachorrinha, Nina, que inspirou a criação da Anda. Aliás, ela mudou minha vida em 180º, pois me tornei ativista e vegana por ela. Então, quando Nina morreu senti uma tristeza profunda e percebi que precisava fazer algo. Três semanas depois, comprei um intercambio, havia completado 50 anos em fevereiro e, em março, deixei o site aos cuidados de outras pessoas e fui para o Canadá para aprender inglês. Para isso, vendi carro e alguns bens para me sustentar por lá, o curso já estava pago. Minha intenção era fazer coisas diferentes para quebrar a dor que sentia. Mudou minha vida completamente, após vivenciar tudo o que passei. Fiquei mais tempo do que imaginava, ia para passar seis meses e fiquei três anos, só voltava em dezembro para cá, passava os meses que lá são mais frios aqui e depois voltava. Continuei na direção do site, mas em um ritmo bem menor, poucas horas por dia. Descansei, mas continuei o ativismo pelos animais. Hoje sou uma cidadã do mundo, tenho amigos em todos os lugares, fiz palestras lá e nos EUA, e essa mudança ampliou muito minhas perspectivas e meu trabalho dentro da causa animal. Eu me sinto renovada e muito jovem aos 55 anos, acho que é muito importante, em algum momento da vida, parar, refletir e ver o que se pode mudar, é recompensador. Resolvi fazer o intercambio aos 50 e foi fabuloso, do ponto de vista emocional, me fortaleci. Você também conhece e vivencia outras culturas e volta melhor. Tirando questões muito particulares, de forma geral, sou melhor e mais feliz por ter vivenciado esse período fora do país”.
Uma nova missão


Márcia Olandim Spinola, 54 anos, mora em Belo Horizonte (MG), foi professora e hoje é missionária MPC (Mocidade para Cristo), divorciada, três filhos: “Sempre gostei de fazer coisas diferentes, e passava por um divórcio conturbado, daí resolvi dar uma parada, li sobre ano sabático em um site e achei interessante. Tinha 48 anos quando fui e fiz 49 lá. Queria fazer algo novo, descansar e começar outro ciclo. Eu me preparei primeiro lendo e estudando, tinha um emprego muito bom, era coordenadora em uma escola e tinha três filhos adultos. Pedi demissão e me preparei financeiramente. O dinheiro teria de dar pra viagem e para manter a casa aqui. Emocionalmente, me preparei também para ficar longe, mas tenho um jeito meio livre e tranquilo. Sou extrovertida, corajosa, esta parte foi fácil. Fui para Naples, na Flórida, Estados Unidos. Pesquisei sobre a cidade, cultura e tal. Conhecia os EUA como turista e havia um casal conhecido que me recebeu com muito carinho. Minha intenção era sair do país, fazer algo novo, conhecer gente e ter um tempo livre para servir as pessoas. Você tem de ir com o coração aberto e curtir. Trabalhei em uma revista de negócios que seria publicada no Brasil colaborando nos textos; fui organizer na casa de uma acumuladora; morei na casa de uma colombiana e estudei inglês em um college. Mudou tudo na minha vida, tomei gosto de servir as pessoas. Voltei e fui trabalhar em uma escola, mas pedi demissão depois de uns meses e me tornei missionária. Falo do amor de Deus por meio de Jesus. Faço capelania escolar, servimos professores, alunos, famílias. Levo projetos sociais, aconselhamento, conto histórias com valores para crianças. Valeu muito à pena, tenho vontade de fazer de novo. Aconselho, mas precisa pesquisar, não tomar decisão na emoção, e se planejar, pois você fica longe da família, da zona de conforto. Esse período mudou toda minha perspectiva de vida, e de pessoas próximas a mim, meu filho mais novo foi para lá com 20 anos me visitar, e não voltou. Já os outros dois ficaram mais independentes. A Bíblia diz para ampliar suas tendas, olhar mais longe. Não penso na minha idade, vejo jovens sem ânimo, com medo de viver, com a cabeça tão engessada. Parecem ter mais de 100 anos. Minha cabeça é muito jovem, mas gosto da maturidade porque coisas que me faziam sofrer aos 30, não me atingem mais. Curto de forma vibrante, sei quem sou e qual meu propósito na Terra, convivo bem com o envelhecer, estou bem comigo, cheia de vigor e faço planos como se tivesse 20 anos”.
Ser e não só fazer


Denise Alves, 52 anos, mora em São Paulo, Engenheira Química de formação, atuou como executiva em marketing, inovação e sustentabilidade por mais de 20 anos, casada, sem filhos: “Saí da Universidade e fui direto trabalhar, primeiro na Unilever (7 anos) e, depois, na Natura (14 anos). Achei que já tinha vivido dentro das paredes e das salas de reuniões por muito tempo. Precisava respirar outros ares, transitar em novos ambientes, ter um tempo livre para pensar na vida, desenvolver outras habilidades. Acredito que para nos desenvolvermos temos que nos colocar em posições diferentes, de desconforto, e o sabático pode possibilitar isso. Tinha 48 anos na época e a proximidade dos 50 pesou por um lado. Tive dúvidas do tipo: será que ao voltar vou ter meu emprego ainda ou será que vou me adaptar novamente ao mundo executivo? Por outro lado, meus anos de estrada me possibilitaram ter uma boa reserva financeira. O fato de não ter filhos também ajudou. Meu chefe na época é o atual presidente da Natura. Quando da minha avaliação de desempenho, no começo de 2014, conversamos, coloquei meu desejo de fazer um sabático no ano seguinte, combinamos quais deveriam ser minhas entregas até lá e acordamos os prazos. A Natura já tinha uma política permitindo o período sabático, de no máximo dois anos, e vários funcionários já haviam saído. Portanto, não era um “big deal”. Financeiramente, foram minhas economias que me permitiram sair tranquila. Fiz todos os cálculos de quanto gastaria em dois anos. Mas, entramos em uma supercrise em 2015 e a desvalorização do real foi tremenda, quase furou todos os meus planos. A intenção, primeiramente, era fazer um mestrado. Cheguei a ser aprovada, mas na hora de pagar a primeira anuidade da escola, a libra estava mais de 6 reais. Havia saído no pior período possível, no começo de 2015, quando o real começou a desvalorizar. Daí, achei que não valia a pena. Fui com minha esposa para Londres, morei lá um ano, estudei inglês, depois viajei pela Europa. Compramos duas bicicletas dobráveis e por todas as cidades andávamos só de bike. Fomos aos países escandinavos, depois um mês na Islândia, de lá para o sul da França, onde aluguei uma casa por um mês e percorremos a região de carro. Sabático é para ser e não só fazer. Na volta, mudou tudo na minha vida, saí da Natura e montei minha própria consultoria. Fui Diretora de Sustentabilidade da Natura por 4 anos e esta bagagem me permitiu montar a GOM, minha própria consultoria em sustentabilidade, juntamente com a Touch Branding e a Touch Green, uma extensão da Touch Branding, especializada em posicionar marcas de um ponto de vista social e/ou ambiental. Valeu muito à pena. Acho que é superimportante dar “rebooting na máquina” de tempos em tempos. Quem tem mais de 50, hoje em dia, passou por tantas mudanças que hoje está superescolado (não confundir com descolado). Quando entrei na Unilever, como trainee em 1993, havia só um microcomputador para todos os trainees. Não tinha mail! Não havia internet, nem Google, nem celular. Dependendo de quando a pessoa nasceu, nem consegue imaginar um mundo assim. O ideal era ser engenheiro, médico ou advogado. O sonho dos pais era que entrássemos no Banco do Brasil, na Petrobrás ou em algum emprego público. Imagine o quanto minha geração já teve que se adaptar nestes últimos 26 anos e como estamos escolados. Esperei na fila do orelhão para ligar para a mãe, hoje é só pegar o celular. Viajava reservando hotel em Budapeste, por telefone, sem saber ao certo o que ia encontrar lá. Hoje, é só entrar no Booking, no Airbnb, pronto, tudo resolvido. Nós, os cinquentões, tivemos o privilégio de ter vivido e estarmos vivendo todas essas mudanças. Para mim, é um privilégio. A mudança me faz correr atrás, me faz ficar esperta, me faz crescer. Por outro lado, nem todo mundo gosta de tanta mudança e quem não for se atualizando ou já perdeu ou vai perder o bonde em breve, porque a tecnologia está promovendo mudanças exponenciais, em todos os aspectos da nossa vida. As relações estão mudando, o trabalho está mudando, os valores estão mudando, enfim tudo. E a uma velocidade surreal. Mas também como temos referências, pra gente algumas coisas são bem chatas! Só para deixar claro que não é tudo cor de rosa, achava mais legal o tempo que íamos aos museus e não tinha fila para tirar self ao lado da obra de arte. Que não tinha nenhum ‘mané’ atendendo o celular no meio do filme! E outras coisinhas aqui ou ali. Mas isso é tão pequeno comparado à quantidade de coisas legais que existem hoje. Em suma, ter 50 é muito bom, se você tem consciência de tudo isso”.