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Cada vez que julgamos o corpo ou aparência de alguém, matamos um pouco a pessoa*

Em uma época em que discutimos tanto a questão do combate ao suicídio, não poderíamos deixar de trazer à tona uma questão extremamente urgente e necessária: a imagem corporal, tema bastante atual e discutido especialmente no universo dos famosos.

Após lançar a música ‘Rumors’ em parceria com a Nick Minaj, a rapper Lizzo sofreu diversos ataques maldosos na internet. Todos com base em sua aparência, de cunho racista e gordofóbico.

Já a cantora e atriz Camila Cabello já concedeu muitas entrevistas e fez postagens falando sobre os ataques que vem sofrendo relacionados ao seu corpo. Ela sempre comenta sobre o costume em usar filtros nos vídeos e fotos, fazendo com que a internet se acostume com um padrão: magra e alta. Ela ressalta que mulheres reais possuem corpos reais com curvas, celulites, estrias, e lamenta não poder simplesmente ser e existir.

“Cada vez que julgamos o corpo ou aparência de alguém, matamos um pouco a pessoa. Combatemos muitas doenças ao longo da vida, especialmente aquelas de ordem mental, seja depressão, ansiedade, transtorno alimentar. A maioria delas surgem de ‘questões’ que foram criados em nossa sociedade para manter padrões criados pela indústria da moda ou da estética que não fazem nenhum sentido, mas que aprendemos desde cedo que precisamos seguir”, comenta Valeska Bassan, coordenadora do Ambulim na USP e especialista em transtornos compulsivos alimentares.

A especialista alerta ainda que grande parte dos transtornos alimentares tem forte relação com a imagem corporal, sendo que a maioria dos transtornados seguiram dietas alimentares bastante restritivas; no caso da anorexia, o comportamento alimentar está ligado a distorção na autoimagem corporal, sendo sua principal característica o medo de engordar; já a bulimia é o resultado de compulsão alimentar seguida de uma necessidade de eliminar os alimentos do organismo, passando também pela necessidade de “manter o peso”.

Dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que, todos os anos, 800 mil pessoas tiram suas vidas em todo o mundo. De acordo com a entidade, em grande parte dos casos, os transtornos mentais são fatores que contribuem para essa atitude extrema.

Conceito de autoimagem e imagem corporal

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O conceito em si da palavra significa a forma como eu me vejo, fisicamente, emocionalmente, cognitivamente e nos diversos papéis que todos nós exercemos. Embora essa construção seja “interna”, sofremos de uma forte influencia do “externo” desde a primeira infância.

Se desde muito cedo ouvimos que somos inteligentes e capazes, certamente essa informação será assimilada na construção da minha autoimagem, o contrário também é verdadeiro. Ao longo da vida o retorno das outras pessoas vai formando a maneira com a gente se enxerga. A forma como eu me vejo, a minha autoimagem e a forma como eu me percebo, o meu autoconceito influenciam diretamente o nível e a qualidade da autoestima.

*Fonte: Valeska Bassan é coordenadora do Ambulim na USP e especialista em transtornos compulsivos alimentares

Estudo mostra aumento de 40% nos transtornos alimentares com a pandemia

De acordo com a psicóloga Valeska Bassan, o “comer” passa a ser a única forma de controle em um cenário de descontrole

O aumento dos transtornos alimentares – principalmente entre adolescentes e jovens – tem sido um problema recorrente há mais de duas décadas, de acordo com estudos feitos em todo o mundo desde os anos 2000. No entanto, levantamento feito pela National Eating Disorders Association, ONG que ajuda indivíduos e famílias afetadas por transtornos alimentares mostrou um aumento de 40% nas ligações em sua linha de suporte desde março de 2020.

De um modo geral, a pandemia da Covid-19 criou situações que fragilizaram a saúde mental como isolamento social, mortes, preocupações em excesso, medo, falta de emprego, dinheiro e de perspectivas em geral, facilitando o aparecimento da ansiedade, depressão e transtornos alimentares.

Um segundo estudo realizado em 2020, com mil participantes diagnosticados com transtornos alimentares, nos EUA e na Holanda, descobriu que as pessoas que já possuem o diagnóstico de anorexia ficaram mais propensas a comer ainda menos refeições diárias, jejuar e ingerir alimentos de baixa caloria desde o surgimento da pandemia. Já pessoas com bulimia e transtorno da compulsão alimentar tiverem episódios mais frequentes e mais desejo de comer de maneira compulsiva.

Para a psicóloga e coordenadora do grupo de comer compulsivo do Ambulim (IPQ- USP), Valeska Bassan, escolher quando, como e quanto comer, oferece uma sensação de poder e controle diante de circunstâncias incontroláveis, especialmente nesse cenário que estamos vivendo. “Em momentos de estresse é bastante comum o ‘comer emocional´ que não e um estímulo de fome, e sim um gatilho emocional como resposta a uma situação adversa, não necessariamente negativa, por isso muita gente ganhou ou perdeu peso de forma significativa durante a pandemia”, comenta.

Outro ponto destacado pela especialista é que com o distanciamento social, grande parte das pessoas teve as atividades físicas limitadas ou paralisadas. Além disso, muitos recorreram às redes sociais como “substituta” dessa interação, o que é positivo do ponto de vista de conexão, mas bastante prejudicial no quesito percepção da autoimagem, o que pode gerar comportamentos mais negligentes em relação à alimentação.

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“Por isso, ficar atento aos sinais do corpo e da mente é fundamental, e o mais importante é se perceber. Se perguntar como estou hoje? Isso que estou sentindo é normal? Enfim, se ouvir e tentar perceber o que se passa com a gente. Isso já é o primeiro passo para a cura ou para a busca de um tratamento adequado”, finaliza Valeska.